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quinta-feira, 2 de junho de 2011

Antes de fechar as cortinas....

Pense numa peça de teatro. O show começa, a cortina se abre. Ao término, a mesma se fecha.
Assim é uma refeição.
Toda uma preparação requer concentração, estratégia, às vezes até um ensaio (quando a receita é nova e não se quer errar a mão).
Entra a salada, o prato principal, tudo regado à uma boa bebida da preferência e no ato final....ahhhhhh...a sobremesa.



Já parou pra pensar que a sobremesa deve ser tratada com o mesmo respeito quanto o resto da refeição? É com o doce que finalizamos os bons momentos.
Numa festa de casamento além da noiva, quem é o mais visado pelos convidados? O bolo. Mesmo que você não fique até o final para experimentá-lo, mas ele está lá. Soberano.
Numa festa de aniversário, idem. Em festa de criança, então, a lambança (feliz).

Como disse em posts anteriores, meu fascínio pelo doce vem de longa data. E sempre considerei a hora da sobremesa o ponto máximo de uma refeição. Sou como o Calvin* das histórias em quadrinhos. Sou uma pessoa "sobremesariana".


E junto a mim há milhares de pessoas, famosas e anônimas.
Roberta de Lucca escreveu um artigo que deu voz aos meus pensamentos. Foi na Revista "Vida Simples", da editora Abril, em julho de 2006, entitulado "Grand Finale". Peço licença à essa maravilhosa escritora e compartilho aqui alguns trechos de seu artigo, que me deu água na boca e mil e uma ideias...

"O banquete termina, todos estão satisfeitos, mas na boca há um gostinho de quero mais. Embora o corpo pareça saciado, tem alguma coisa lá dentro pedindo um sabor diferente. É um desejo de comer algo para arrematar o almoço ou o jantar, a vontade de um carinho no estômago e na boca, difícil de expressar em palavras... Sobremesa nem de longe é gulodice. Ao contrário, a boa mesa pede, sim, doces e frutas após as iguarias salgadas, pois essa é a última etapa de uma refeição completa - que inclui entrada, prato principal e acompanhamentos (...)
"Como toda história tem um começo, vamos a ele, retrocedendo aos banquetes medievais, verdadeiros festivais gastronômicos. As comilanças naquela época duravam dias a fio, literalmente. Para dar um descanso entre as baterias de pratos servidos, os convivas (nobres e sua turma) se distraíam com espetáculos de dança, música, teatro e atividades aos ar livre como jogos de caça - além dos prazeres carnais, claro. À mesa eram dispostas carnes, cereais, ensopados de legumes, pães, tortas, queijos, frutas secas e frescas e mel, entre outros alimentos... muitas vezes comer uma fruta ou um pedaço de queijo após um salgado tinha a função, ainda que empírica, de limpar o paladar e prepará-lo para os pratos seguintes.
"Mas foi a partir de 1533, quando Catarina de Médicis desembarcou no porto francês de Marselha para se casar com o futuro rei Henrique II, que a culinária tomou a forma como a conhecemos hoje. No dote de casamento que a italiana levou para a França havia livros de receitas e um séquito de cozinheiros. Além deles, a jovem apresentou à corte novos hábitos... introduziu regras de etiqueta e o garfo de dois dentes (antes não havia garfos na França), além de transportar a sobremesa para o fim da refeição.

"Desde a primeira infância estabelecemos contato com o gosto doce. Primeiro por uma questão fisiológica... Em segundo lugar, a relação com o doce desde a infância é cultural em diversos países: a mãe oferece algum alimento com açúcar para o filho como agrado, recompensa e acalento, e cria-se uma associação direta do doce com o carinho e o afeto, que levamos em nossa bagagem até o fim da vida.

"A sobremesa tem que ser degustada, apreciada como o salgado... A teoria do chef faz tanto sentido que justifica o cerimonial para servir a sobremesa. Retiram-se da mesa os pratos e copos sujos, o galheteiro com os temperos, as travessas com o que restou dos salgados. Depois uma escovinha elimina qualquer vestígio do que foi comido e a toalha fica limpa e pronta para receber o último grande prato da noite. Toda essa preparação acabou originando a palavra francesa 'dessert', que se traduz por desservir - retirar tudo da mesa. De tão apropriada, os ingleses adotaram o mesmo verbete: sobremesa em inglês é 'dessert'... Depois da primeira garfada até a conversa muda. O papo fica mais ameno e divertido e todos se entregam aos prazeres que o doce proporciona.
"Porém, o mais importante é comer sem culpa. Ao deparar com aquelas sobremesas lindas, não coma apenas com os olhos... coma sem culpa, com prazer e sem suplício. Curta o doce para que ele seja uma festa."

E se ainda cabe espaço, um brinde aos cozinheiros, aos confeiteiros, aos chefs, aos cake designers, aos boleiros, aos doceiros... Não importa a nomenclatura. O que importa é o sabor e aquele suspiro de satisfação.

O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE: COMA COM MODERAÇÃO, MAS FELIZ E SEM CULPA.



* Calvin & Hobbies (Bill Watterson) - Calvin e Haroldo

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